segunda-feira, 5 de maio de 2014

Raízes

“O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro.”

Simone Weil


Saber onde estão as raízes de cada indivíduo, como ali chegaram a brotar e de que precisam para continuar a nutrir a grande estrutura humana pode levar o ser com maior criatividade e vitalidade ao destino querido.

Da história herdada começa a germinação particular. E, assim, antes de começarmos a falar de um ‘eu’, estamos imersos em uma cultura que nos é dada, uma tradição que é passada e um legado que é deixado pelos nossos genitores. Podemos, portanto, nos sentir abençoados ou amaldiçoados de acordo com o que recebemos, sujeitos a uma grande dificuldade de permitir a iluminação de toda a história para que realmente a raiz lançada possa se fixar. Em alguns momentos, tendemos a exaltar certos aspectos e configurá-los numa verdade absoluta e perfeita; em outros, a omitir aqueles que nos causam maior desconforto, vergonha, culpa ou ira; e ainda tem aqueles em que buscamos nos fortalecer por nós mesmos, com uma negação absoluta de tudo aquilo que foi transmitido.

Em qualquer dessas ocasiões, corremos o risco de não estabelecermos um contato com o todo, com o real, que se configura nessa tensão constante entre determinado e indeterminado, finito e infinito, conhecido e desconhecido... e, no caso específico, naquilo que nos foi dado e para onde queremos ir. Se vamos rumo ao desconhecido, que é o nosso futuro, temos de estar no presente, com uma participação ativa, e isso se dá a partir da bagagem do passado e da projeção para o tempo além. Caso contrário, podemos não partir do presente, mas neste ficarmos presos, passivos e sujeitados às circunstâncias imediatas, com poucas possibilidades de novas construções e em deixar um legado reestruturado a ser sempre reconfigurado pelas próximas gerações.

E é preciso ressaltar que estamos sendo treinados a viver na contemporaneidade de maneira muito contígua às reações, àquilo que acontece no exato momento, sujeitos a sermos derrubados na mais leve chuva ou ressequidos diante de um sol um pouco mais forte. Na sociedade líquido-moderna de Bauman[1], tudo fica fluido e pouco sustentado e, ao invés de orientarmos para o rumo que queremos na vida, nos esforçamos desesperadamente na manutenção desta a qualquer custo, com a tendência a exigir a satisfação imediata dos mais rasos desejos e em nos afirmamos nas mais breves condições.

Quando deixamos a nossa história sob a luz, isto é, a partir do momento que a tomamos com clareza, abertura e respeito, por mais difícil ou assombrosa que seja, as nossas raízes sabem onde estão fincadas e o fortalecimento da nossa árvore diante das adversidades vividas pode ser estabelecido, com condições ainda de seguir ao encontro do céu. Precisamos retomar sempre a nossa história, fazer um esforço de trazê-la para a lembrança, pois como nos diz Elie Wiesel, lembrar “é viver em mais de um mundo, impedir que o passado se desvaneça e chamar o futuro para iluminá-lo”.

Como somente lembramos no presente, aqui estar é ancorar naquilo que nos chegou para ajudar na nossa sustentação. Falar sobre a lembrança possibilita-nos uma certa análise e, se ainda estivermos diante de uma companhia real quando narramos a nossa história, existe a condição necessária para uma observação desta sobre outros pontos de vista. Podemos deixar a posição de aceitação ou recusa cegas para o esforço de acolhimento. Apropriamo-nos da nossa história, nos reerguemos e vemos para onde queremos levar o nosso destino: a participação ativa se instaura e uma escolha própria diante daquilo que a vida nos propõe encontra condições de ser feita. 

Desse modo, com o acolhimento daquilo que recebemos, nos fortalecemos e podemos partir para um desenvolvimento, com a proposta daquilo que queremos ver na vida e no mundo: o compromisso global com a existência[2] é possibilitado! 



[1] BAUMAN, Zygmunt. Sociólogo polonês, professor emérito na Universidade de Leeds. Publicou vários livros, entre eles Amor Líquido, Globalização: as Conseqüências Humanas e Vidas Desperdiçadas. 
[2] GIUSSANI, L. O Senso Religioso. Trad. P. A. E. Oliveira. Brasília: Universa, 2009. p. 64.



Por: Janine Araujo

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