Dias desses, buscando minhas filhas na escola,
presenciei uma grande birra de uma criança do maternal, possivelmente com dois
ou três anos. A criança não aceitava sentar no banco traseiro do carro e dotada
de uma saudável garganta irritava a todos que passavam pelo estacionamento.
Para encurtar a narrativa, o carro partiu com a mãe dirigindo, a criança no
banco do passageiro e a avó no banco traseiro do carro. A cena pode ser
diversificada pelos atores ou pelo espaço mas o final muito me preocupa: por
que a grande maioria dos pais não consegue dizer não aos filhos? Por que cada
vez mais, crianças em idades tão prematuras manipulam todo o contexto familiar?
Parece-me que para muitos pais frustrar
momentaneamente os filhos é sinônimo de fazer filhos infelizes. Será que estar
sorrindo sempre, em todos os momentos, satisfeitos por seus desejos atendidos é
sinal de felicidade? Será que os pais acreditam que é papel dos pais “dar”
felicidade? Pode ser alguém responsável pela felicidade de outro? Por que é tão
difícil estabelecer limites aos filhos mesmo que ainda bebês? Será que essa mãe
que não consegue colocar o filho de dois anos no banco traseiro do carro vai
conseguir livrá-lo das drogas aos treze? Será que muitos pais presenteiam seus
filhos em exagero, tantos brinquedos, tantos equipamentos, tantas roupas e
calçados, pensando que isso os farão felizes? Será que o sorriso de uma criança
que acaba de ganhar o centésimo brinquedo é sinal de felicidade? Será que é por
isso que muitos pais diante de um possível fracasso escolar dos filhos, adiam
seus compromissos pessoais para colocar o material do filho em dia, buscam
professoras particulares que trabalhem arduamente nas vésperas de provas ou
ainda telefonam para a escola dizendo que o pobrezinho está com febre e não
poderá comparecer à avaliação?
Ver o filho chorando, gritando, esperneando,
emburrado, triste, ou mesmo de carinha fechada após ter algum pedido negado
pelos pais pode ser dolorido demais para alguns pais que se sentem causadores
de dor ou tristeza. Negar, colocar um limite, apresentar a justiça, a realidade
social, parece ser dramático demais para aqueles que acreditam que “dão”
felicidade. Não seria mais justo pensarmos que o papel dos pais não é “dar”
felicidade mas sim criar condições para que seus filhos sejam felizes? Uma
infância cercada de equilíbrio, amor, educação, saúde, segurança, alimentação,
justiça, valores, limites, religião, cria condições para a que a felicidade se
concretize. Nesse sentido, os pais são os provedores de grande parte das
condições para o equilíbrio, sobre as quais, cada indivíduo, dotado de livre
arbítrio, escolherá o seu caminho.
Os filhos precisam enfrentar
desafios, desejar, sonhar, frustrar-se, vencer barreiras e etapas, conquistar.
Isso os fará capazes e seguros. Um filho que se frustra e luta para conquistar
seu desejo é como um carro com o tanque cheio de combustível, vai longe. Só que
para encher o tanque é preciso uma parada, uma pausa para reabastecimento. A
auto-estima é o tanque cheio de combustível.
Freqüentemente oriento pais e
avós quanto o uso das expressões “coitadinho” ou “judiação”. Não conheço
“coitadinhos” que tenham alcançado equilíbrio ou sucesso. Coitadinho é
dependente, frágil, depressivo e incapaz. Filho precisa de amor mas de amor
inteligente. Filho precisa de colo mas de colo saudável. Filho precisa de pais
presentes, de orientações, de referenciais. Filho precisa saber que é filho e
não o chefe da casa!Filho precisa ouvir “não” e se entristecer por um instante
para que possa sorrir por uma vida. Feliz é aquele que sabe crescer, mudar,
lutar, adaptar, aprender e vencer diante de um “não” da vida.Felicidade possui
aquele que diante de um “não” da vida passa a pensar diferente, passa a ver com
outros olhos, passa a andar com outras pernas. A vida não nos poupa e ninguém
melhor do ela para nos ensinar!
Texto: Adriane Albuquerque Cirelli - Pedagoga, Psicopedagoga
Clínica e Hospitalar.