terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A Vida que pediu a Deus



Martha Medeiros

Se fosse feita uma enquete nas ruas com a pergunta "você tem a vida que pediu a Deus?", a maioria responderia com um sonoro qua, qua, quaLógico que alguém desempregado, doente ou que tenha sido vítima de uma tragédia pessoal não estará muito entusiasmado. Mas mesmo os que teriam motivos para estar - aqueles que possuem emprego, saúde e alguma relação afetiva, que é considerada a tríade da felicidade - também não têm achado muita graça na vida.

O mundo é habitado por pessoas frustradas com o próprio trabalho, pessoas que não estão satisfeitas com o relacionamento que construíram, pessoas saudosas dos velhos amores, pessoas que gostariam de estar morando em outro lugar, pessoas que se julgam injustiçadas pelo destino, pessoas que não aguentam mais viver com o dinheiro contado, pessoas que gostariam de ter uma vida social  mais agitada, pessoas que prefeririam ter um corpo mais em forma; enfim, os exemplos se amontoam. Se formos espiar pelo buraco da fechadura de cada um, descobriremos que estão relativamente bem, mas poderiam estar melhor.

Por que não estão? Ora, a culpa é do governo, do Papa, da sociedade, do capitalismo, da mídia, do inferno zodiacal, dos carboidratos, dos hormônios e demais bodes expiatórios dos nossos infernizantes dilemas. A culpa é de tudo e de todos, menos nossa.

Um amigo meu, psiquiatra, costuma dizer uma frase atordoante. Ele acredita que todas as pessoas possuem a vida que desejam. Podem até não estar satisfeitas, mas vivem exatamente do jeito que acham que devem. Ninguém as força a nada: nem o governo, nem o Papa, nem a mídia. A gente tem a vida que pediu, sim. Se ela não está boa, quem nos impede de buscar outras opções?

Quase subo pelas paredes quando entro nesse papo com ele porque respeito muito as fraquezas humanas. Sei como é difícil interromper uma trajetória de anos e arriscar-se no desconhecido. Reconheço os diversos fatores - família, amigos, opinião alheia - que nos conduzem ao acomodamento.

Por outro lado, sei que meu amigo está certo. Somos os roteiristas da nossa própria história, podemos dar o final que quisermos para nossas cenas. Mas temos que querer de verdade. Querer para valer. É este o esforço que nos falta.

A mulher que diz que adoraria se separar mas não o faz por causa dos filhos, no fundo não quer se separar. O homem que diz que adoraria ganhar a vida em outra atividade, mas já não é jovem para experimentar, no fundo não quer tentar mais nada. 

É lá no fundo que as razões verdadeiras levam as pessoas a mudarem ou a manterem as coisas como estão. É lá no fundo que os desejos e as necessidades se confrontam. Em vez de nos queixarmos, ganharíamos mais se nadássemos até lá embaixo para trazer a verdade à tona. E então deixar de sofrer.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Ingredientes da Comunicação

O que eu estou sentindo? O que eu sinto por esta pessoa? O que eu senti diante deste acontecimento? O que eu sinto é o que eu quero?Você já se fez essas perguntas? Como é difícil falar do que sentimos. Sentir relaciona-se aos sentimentos, aquilo que faz sentido pra mim, que só o meu coração sabe responder. É profundo e diferente do pensamento. De acordo com Martha Medeiros “sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado para fora. Sentir alimenta, sentir ensina, aquieta. Fazer é muito barulhento. Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado...”. E como falar de sentimentos nas relações amorosas? Temos dificuldades de nomear o que sentimos pra gente mesmo e para o outro ainda mais: o que eu sinto é amor ou vontade de controlar? Eu amo ou não quero perder? Amor ou medo? Como eu comunico para o outro o que eu sinto? Mas, também, é tudo que devo comunicar? O que eu sinto esta me fazendo bem ou mal? O antropólogo Bateson que foi um grande pesquisador sobre a comunicação humana, falava que todas as mensagens possuem um nível de objeto e um nível de relação. Exemplo: a esposa pede para o marido levar ela ao aeroporto as 04:00 da manhã. O nível do objeto é o marido ir ao aeroporto as 04:00 da manhã e assim( falo de possibilidade, não certeza) a resposta do marido seria não( não é fácil acordar as 04:00 da manhã para ir ao aeroporto), pois, também, existem vários outros meios dela ir. Mas ao nível das relações, possivelmente, ele diria sim por não querer magoar a esposa, sendo ela uma pessoa importante para ele. Mas ele diz um sim nem um pouco prazeroso e isso é captado pela esposa que diz que aceitaria só se fosse com prazer; o desfecho disso? Uma discussão daquelas, mesmo porque é difícil acordar de madrugada para ir ao aeroporto com prazer, não é verdade? Talvez a esposa entendesse que por isso ele não a ama, mas será isso? Outro exemplo é quando queremos que nosso parceiro escolha entre uma churrascaria e uma pizzaria e quando ele escolhe uma ou a outra brigamos pela opção que ele não escolheu. Isso tudo são maneiras de infernizar nossos relacionamentos. Fazemos, às vezes, sem perceber. Ao contrário, damos oportunidade para negociar? Qual é o meu desejo? Qual é o desejo dele? Talvez traçamos caminhos difíceis, mas mais difícil ainda seria lidar com a realidade dos nossos sentimentos e depois saber comunicar e como comunicar isso aos nossos parceiros e nos abrir para uma conversa. Sim é difícil, mas é uma construção e a possibilidade de cada um ser aceito pelo o que é. Mas para isso, primeiro eu preciso saber de mim, do que eu sinto, depois saber o que falar para o outro daquilo que sinto e, ainda, escutar o que este outro tem para falar dele e de seus sentimentos. E quando isso não acontece? O grande risco é um criar expectativas demais sobre o outro, uma imagem do parceiro que não é real e querer que esse se encaixe nesses moldes criados, formando assim uma relação de controle ( para ser coerente com aquilo que imagino), mentiras (porque o outro tenta escapar disso a todo o momento, pois sufoca), sem espontaneidade, leveza, sem trocas e aprendizados. Assim, a possibilidade para iniciar a construção de uma comunicação saudável é primeiro saber sobre nós mesmos, daquilo que faz sentido para nós, depois saber o que disso comunicar e, ainda, escutar o ponto de vista deste outro. Somos seres diferentes, precisamos saber disso. Talvez sabendo disso estaremos prontos para construir uma relação de amor e paz com o outro. Texto: Camila Lobato - Psicoterapeuta do NASS

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Desafios para famílias com filhos adolescentes

Muito se tem discutido sobre os temas: educação de filhos, relações familiares, entrada de filhos na adolescência, limites etc. Vemos uma grande quantidade de pais inseguros e perdidos quanto à sua função de educadores, não sabendo o que é adequado ou não na educação de seus filhos. O conceito de família vem se modificando ao longo dos anos e podemos encontrar famílias com estruturas diversificadas. Mesmo com essa modificação , algo se manteve, é na família que aprendemos e recebemos o nosso mapa para trilhar no mundo. De acordo com Teoria Sistêmica, a família é vista como um sistema dinâmico, vivo e que se modifica de acordo com o tempo, com trocas internas (entre os membros que a compõem) e externas (na relação com o mundo). Passa por ciclos que são considerados vitais e que trazem aprendizados e novas possibilidades de irem além em seu processo evolutivo. Vou ater-me ao ciclo de vida de pais com filhos adolescentes e não tenho pretensão de criar bula ou manual para pais e sim o desejo de contribuir para um pensamento reflexivo. O período da adolescência traz consigo mudanças físicas, emocionais e sociais, e para a família grande vulnerabilidade. O adolescente nesta etapa da vida questiona e contesta as regras, as normas, as crenças e todo o funcionamento familiar como tentativa de criar uma nova forma de ser, uma identidade baseada em sua nova visão de mundo. Se na infância a criança acreditava em tudo que lhe era transmitido, na adolescência acontece o oposto disso, torna-se descrente, tenta desconstruir grande parte do que lhe foi ensinado, vive suas questões intensamente e com pouca noção de realidade. De acordo com Rosset, 2003... “é na família que experimentamos tanto o pertencimento quanto a diferenciação. Pertencer significa participar, saber-se membro desta família, partilhar as suas crenças, valores, regras, mitos e segredos. Diferenciar refere-se à afirmação de sua singularidade, à sua individuação e ao seu direito de pensar e expressar-se independentemente dos valores defendidos por sua família”. Sendo assim, é na adolescência que temos a oportunidade de fazer a nossa primeira tentativa de constituir um EU, de buscar uma identidade própria, de tentarmos fazer as coisas à nossa maneira. Como não sabemos fazer isso no primeiro momento, buscamos em nosso meio os grupos para nos identificarmos, para reforçar nossa autoestima e começarmos a treinar o papel de adulto. É fundamental que os pais trabalhem o conceito de flexibilidade e autoridade nesse processo, permitindo ao adolescente explorar algumas nuances de sua autonomia, mas ao mesmo tempo dando lhe responsabilidades. Sem organização e disciplina não é possível preparar os filhos para a vida fora de casa. Toda relação familiar para funcionar de forma adequada precisa de hierarquia para que os papeis e funções fiquem bem definidos. Adolescente pede limite, lei e organização e a família é peça chave para esse processo. Caso um dos pais tenha tido dificuldades em seu processo de diferenciação, de busca pela sua identidade, terá dificuldades em ajudar o filho nesse processo. Tem pais que nem saíram da adolescência e que quando veem seu filho navegar por esses mares, sentem-se como seus colegas ou muitas vezes não conseguem dar passagem para esse filho caminhar e crescer. Outras vezes podem ter sido tão oprimidos que acabam por repetir isso com o filho gerando conflitos na hora de estabelecer as regras ou simplesmente não conseguindo se posicionar com autoridade na relação. Acredito que para que esse ciclo aconteça de forma saudável faz-se necessário um exercício de compaixão, compreensão, e acolhimento das dificuldades e angústias provenientes deste processo. É um momento turbulento para toda família, mas que possibilita a evolução e o crescimento de todos e que irá prepará-los para adaptações em seus ciclos posteriores. Fernanda Seabra CRP 04/18317- Psicóloga clínica e educacional, com formação em Psicoterapia familiar Sistêmica Referência bibliográfica: ROSSET, Solange. Pais e filhos – Uma relação delicada. ed. Sol 2003