sexta-feira, 30 de maio de 2014

Bater ou corrigir?

O Projeto de Lei da Palmada nos trouxe a oportunidade de revermos um assunto bastante delicado, o bater como forma de educar. A agressão é um método questionável e que tem se mostrado pouco eficaz ao longo do tempo. É preciso entender que bater em um filho com a pretensão de educá-lo ou corrigi-lo é um engano, já que está apenas a serviço da descarga de tensão de quem pratica a violência. O ato de bater reforça, sem dúvida, o autoritarismo e sadismo do mais forte sobre o mais fraco. Humilhar, xingar ou gritar, além de colaborar para que as crianças cresçam com medo e a autoestima prejudicada, nos afastam delas. Quando os pais gritam com a criança demonstram muito mais desequilíbrio do que autoridade.
A velha tática de contar até dez antes de tomar uma atitude drástica opera milagres e ajuda a esfriar a cabeça. Quando bem posicionados no seu papel de pai e mãe não precisam usar de violência para corrigir erros ou evitar reincidências dos filhos. Por isso, é necessário sempre explicar a diferença entre o “certo” e o “errado”, usar bem e equilibrar as palavras e criar condições para ela saber antecipar os efeitos de seus atos e poder refleti-los depois.
É preciso lembrar que filhos demandam tempo, atenção, carinho, paciência e que milagres não existem. A alternativa é procurar sempre manter um diálogo, dar atenção, ter paciência e carinho explicando os porquês do não e do sim. É claro que pais perfeitos e educação perfeita não existem, por isso, não se sinta culpado se não conseguiu ter a melhor atitude do mundo com seu filho. Mas se você estiver disposto a sempre procurar melhorar as formas de relacionar-se com seus filhos, isto com certeza é o melhor que você poderá dar. Ter paciência, não gritar, respeitar os desejos e necessidades da criança, ouvindo o que ela tem a dizer e procurando estabelecer limites através de uma forma alternativa ao bater, é mais difícil e menos prático, mas com certeza construirá uma relação de respeito mútuo e amizade para sempre. Violência gera violência. Amor gera amor.  

                                                              Ana Tereza Veloso -Psicóloga

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Filme: A Vida em Preto e Branco


O filme nos mostra através de David e sua irmã Jennifer a realidade de “Pleasantville”, um seriado em preto e branco dos anos 50 onde tudo era muito agradável. Os irmãos entraram para este seriado a partir de uma briga pela posse do controle-remoto, até o mesmo estragar. Neste momento um estranho técnico de televisão vai até a casa deles passando um novo controle; quando eles apertam este novo controle são levados magicamente para dentro de Pleasantville e lá se tornam Bud (David) e Mary-Sue (Jennifer) - dois personagens da série.    
 
David já conhecia o seriado, por isso não achou muito estranho como a sua irmã naquele lugar, onde todos viviam em plena felicidade, mas não tinha sexo, ninguém nunca precisava ir ao banheiro, as páginas dos livros não tinha nada escrito, ninguém tinha noção do que era chuva (quando apareceu ficaram horrorizados), nada tinha cor (tudo em preto e branco) e ainda, bombeiros serviam para apanhar gatos nas ruas, fogo não era conhecido. Uma realidade diferente para os irmãos. 

  Os irmãos tentavam fazer algo diferente daquele contexto (próximo ao mundo fora do seriado em que viviam), mas não conseguiam. Assim, David tentava seguir ao máximo o costume daquela gente, mesmo sendo difícil. Já sua irmã inicia uma verdadeira revolução na pacata cidade. Daí para frente os habitantes começam a perceber que a vida tem outras possibilidades e com as ações dos atrapalhados irmãos vai aparecendo estranhos eventos na cidade em que um vai conduzindo a outros, como o aparecimento de uma rosa vermelha, que contribuiu para o aparecimento de novas cores e com isso novos costumes e regras foram sendo “ofertados” para esta cidade.


Contudo, com cada transformação os habitantes foram descobrindo uma nova forma de viver. Um mundo colorido. Isso foi o suficiente para começar a se instalar um grande conflito na cidade entre aqueles que estavam disponíveis a se adaptarem às mudanças e aqueles que eram conservadoras e tentavam impedir tais transformações.
 
 O filme, através desta metáfora de uma cidade pacata e a chegada do novo e do diferente levado pelos irmãos, nos mostra uma grande realidade vivida por todos nós, seres humanos, que é a dificuldade/medo de encarar as mudanças e como muitos de nós preferimos ficar com aquilo que é familiar, pois é o que conhecemos. É mais fácil criticar/rejeitar o estranho do que conhece-lo, mas o que não sabemos é que “ a entrada do novo é a única coisa capaz de transformar você, não há outro meio de transformação. Se você deixar que o novo entre, você nunca mais será o mesmo”( Curso Zélia Nascimento). No novo temos possibilidades. Tente compreender o surgimento do novo. O velho é repetitivo, chato, monótono.Texto: Camila Lobato
           


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Raízes

“O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro.”

Simone Weil


Saber onde estão as raízes de cada indivíduo, como ali chegaram a brotar e de que precisam para continuar a nutrir a grande estrutura humana pode levar o ser com maior criatividade e vitalidade ao destino querido.

Da história herdada começa a germinação particular. E, assim, antes de começarmos a falar de um ‘eu’, estamos imersos em uma cultura que nos é dada, uma tradição que é passada e um legado que é deixado pelos nossos genitores. Podemos, portanto, nos sentir abençoados ou amaldiçoados de acordo com o que recebemos, sujeitos a uma grande dificuldade de permitir a iluminação de toda a história para que realmente a raiz lançada possa se fixar. Em alguns momentos, tendemos a exaltar certos aspectos e configurá-los numa verdade absoluta e perfeita; em outros, a omitir aqueles que nos causam maior desconforto, vergonha, culpa ou ira; e ainda tem aqueles em que buscamos nos fortalecer por nós mesmos, com uma negação absoluta de tudo aquilo que foi transmitido.

Em qualquer dessas ocasiões, corremos o risco de não estabelecermos um contato com o todo, com o real, que se configura nessa tensão constante entre determinado e indeterminado, finito e infinito, conhecido e desconhecido... e, no caso específico, naquilo que nos foi dado e para onde queremos ir. Se vamos rumo ao desconhecido, que é o nosso futuro, temos de estar no presente, com uma participação ativa, e isso se dá a partir da bagagem do passado e da projeção para o tempo além. Caso contrário, podemos não partir do presente, mas neste ficarmos presos, passivos e sujeitados às circunstâncias imediatas, com poucas possibilidades de novas construções e em deixar um legado reestruturado a ser sempre reconfigurado pelas próximas gerações.

E é preciso ressaltar que estamos sendo treinados a viver na contemporaneidade de maneira muito contígua às reações, àquilo que acontece no exato momento, sujeitos a sermos derrubados na mais leve chuva ou ressequidos diante de um sol um pouco mais forte. Na sociedade líquido-moderna de Bauman[1], tudo fica fluido e pouco sustentado e, ao invés de orientarmos para o rumo que queremos na vida, nos esforçamos desesperadamente na manutenção desta a qualquer custo, com a tendência a exigir a satisfação imediata dos mais rasos desejos e em nos afirmamos nas mais breves condições.

Quando deixamos a nossa história sob a luz, isto é, a partir do momento que a tomamos com clareza, abertura e respeito, por mais difícil ou assombrosa que seja, as nossas raízes sabem onde estão fincadas e o fortalecimento da nossa árvore diante das adversidades vividas pode ser estabelecido, com condições ainda de seguir ao encontro do céu. Precisamos retomar sempre a nossa história, fazer um esforço de trazê-la para a lembrança, pois como nos diz Elie Wiesel, lembrar “é viver em mais de um mundo, impedir que o passado se desvaneça e chamar o futuro para iluminá-lo”.

Como somente lembramos no presente, aqui estar é ancorar naquilo que nos chegou para ajudar na nossa sustentação. Falar sobre a lembrança possibilita-nos uma certa análise e, se ainda estivermos diante de uma companhia real quando narramos a nossa história, existe a condição necessária para uma observação desta sobre outros pontos de vista. Podemos deixar a posição de aceitação ou recusa cegas para o esforço de acolhimento. Apropriamo-nos da nossa história, nos reerguemos e vemos para onde queremos levar o nosso destino: a participação ativa se instaura e uma escolha própria diante daquilo que a vida nos propõe encontra condições de ser feita. 

Desse modo, com o acolhimento daquilo que recebemos, nos fortalecemos e podemos partir para um desenvolvimento, com a proposta daquilo que queremos ver na vida e no mundo: o compromisso global com a existência[2] é possibilitado! 



[1] BAUMAN, Zygmunt. Sociólogo polonês, professor emérito na Universidade de Leeds. Publicou vários livros, entre eles Amor Líquido, Globalização: as Conseqüências Humanas e Vidas Desperdiçadas. 
[2] GIUSSANI, L. O Senso Religioso. Trad. P. A. E. Oliveira. Brasília: Universa, 2009. p. 64.



Por: Janine Araujo