quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Impactos da contemporaneidade nas relações familiares

Quando nascemos recebemos através de nossos pais um lugar dentro de nossa família com papéis e funções a serem desempenhados, o que nos confere a sensação, o sentimento de pertencimento. A família é responsável por transmitir valores e regras para convivermos e transitarmos no mundo.

 É muito bom o sentimento de pertencer, mas é fundamental aprender a se separar também, ou seja, “desmisturar” um pouco dos nossos familiares e daquilo que recebemos deles para treinarmos novas possibilidades de viver. A partir daí poderemos manter os valores e regras que consideramos pertinentes e assim poderemos criar novos valores.

É na família que começamos nosso processo de diferenciação e individuação e, posteriormente, faremos o mesmo nas demais relações que estabelecemos, como: social, cultural, espiritual etc. Vale ressaltar que o processo de diferenciação e individuação pode ou não ocorrer e será um processo único para cada indivíduo.

Para que esse processo ocorra, é preciso que eu saiba quem sou, o que quero da vida, qual o sentido da vida pra mim. Precisamos aprender mais sobre nós mesmos, sobre o “ser gente”, sobre nossa essência mais que a aparência. No mundo contemporâneo, percebemos uma dificuldade das pessoas em se conectarem com sua essência, com seu mundo interno, o que dá a sensação de ficarem na superfície, empobrecidas emocionalmente e vazias. O preço para pertencer ao mundo contemporâneo tem sido muito alto, uma vez que exige a nossa despersonalização e a nossa desumanização. Como resultado, não conseguimos esperar por nada, vivemos atrasados, corremos o tempo todo. O uso de computadores, smartphones e internet tem contribuído muito para pensarmos mais e sentirmos menos. Uma tecnologia desenvolvida para aproximar pessoas, que se não utilizada de forma saudável, acaba por afasta-las. Tudo isso têm contribuído muito para uma vida desregrada e estressante.

A ação intensa das mídias, da globalização e da economia capitalista, tem ditado regras, normas e valores a serem seguidos. Somos bombardeados e seduzidos constantemente pela ideia de que se não seguirmos, por exemplo, a moda, não seremos ninguém. As propagandas destinadas ao público infantil representam uma boa fatia no mercado oportunista, pois as crianças passam a interferir nas escolhas daquilo que deveria, ou não, ser consumido por suas famílias.

A televisão tem, cada vez mais, roubado a infância de nossas crianças, interferindo diretamente nos valores das famílias. Incentiva a erotização precoce, o consumo de alimentos industrializados e calóricos, estimula o consumismo, questiona a hierarquia familiar, expõe nossas crianças a situações degradantes. Ficamos em uma situação delicada como pais e educadores, com receio de sermos claros e firmes com as crianças, temendo não sermos mais amados por elas. É aí que entramos em um ciclo vicioso, responsável por desconfigurar o valor das relações em família. Por isso é necessário repensarmos nossos valores, como queremos viver e estabelecer nossos vínculos de modo a reduzir os impactos causados por essas interferências externas.

Ficamos iludidos buscando a perfeição, uma completude que, diga-se de passagem, não existe. Importante exemplo é o da exigência do corpo perfeito, em que se a mulher não for bonita e magra não será feliz, jamais se sentindo pertencente a “esse mundo”. No mundo moderno não se tem espaço para viver a tristeza, perdemos a oportunidade de aprendermos através de nossas dores. É a era da felicidade obrigatória.

De que maneira poderemos criar e desenvolver, enquanto pais e mães, o pensamento critico e reflexivo em nossos filhos, em relação ao mundo moderno, se não temos tempo para isso e se não exercitamos isso primeiramente em nós? Como incutir valores de conquista e trabalho se a minha preocupação é adquirir “coisas”, o que estimula o consumismo desenfreado? Esse comportamento vai de encontro à ideia de “quanto mais se tem, mais se gasta”. Tentamos satisfazer os desejos dos filhos na tentativa de amenizarmos nosso desconforto e culpa pela nossa ausência. Vamos ficando confusos com essas influências culturais e sociais e, consequentemente, passamos essas mesmas informações para nossos filhos, o que tem levado a uma insatisfação constante, como se tivéssemos que buscar incessantemente por coisas que muitas vezes nem fazem sentido para nós.

Não temos tido tempo para olhar nos olhos, realizarmos uma alimentação em família, interagirmos, falar de nossas histórias, jogar conversa fora. Comemos e engolimos, “goela a baixo”, padrões que aparentemente parecem ser bons. Estamos com pouco contato com a realidade, com as nossas deficiências, fraquezas e potencialidades. Estamos vivendo do lado de fora, assistindo o filme da nossa vida sem exercermos o papel principal.

Somente seremos autores de nossa história a partir do momento que começarmos a nos descontaminar das modas, quando sairmos do padrão “maria vai com as outras”, quando pudermos expor nossos valores sem medo de sermos inadequados e antiquados. É preciso pensar com a própria cabeça e sentir com o próprio coração. Aí sim, seremos pessoas melhores, tolerantes, individuadas, humanizadas e reais.

Fonte: Revista Escola de Pais do Brasil 
Fernanda Seabra – Psicoterapeuta Familiar Sistêmica
Coordenadora do NASS