Comentário sobre o filme Rain
Man (1988) :
Sabemos que a
família é o lugar onde nascem e se desenvolvem os seres humanos e que é nela
que conferimos nosso suporte emocional, econômico e geográfico (Groissman,
2005)
A família é a
unidade básica do ser humano, primeiro laboratório social. Independente das
características individuais, mentais e físicas, carregamos seus significados e
padrões próprios.
Cada membro
familiar exerce sua função no sistema , interagindo de forma a alimentarem e
serem alimentados por este sistema. Cada sujeito em interação com outro adquire
seu papel na trama familiar.
Desse modo,
podemos dizer que qualquer movimento em uma das partes irá repercutir nas
demais. Alguns acontecimentos ao longo do ciclo de vida familiar também
influenciam nesta dinâmica pois exige de seus membros uma série de adaptações.
Esses acontecimentos podem ser desde situações de vida dita “normais”, como :
nascimento, morte, fases adolescência, adulto, velhice até as inesperadas
situações trágicas, doenças crônicas, falência e etc.
O filme Rain Man
aborda uma relação familiar focada na interação de dois irmãos, mas que também
trazem resquícios de toda uma dinâmica familiar anterior a esse encontro.
Com a entrada de
um filho, seja ele autista ou não, a família precisa organizar-se para esta
nova composição. Essa releitura dependerá das características próprias dessa
família em lidar com mudanças.
No caso da
inserção do membro autista, essa adaptação à mudança é ainda mais necessária,
pois exige de cada membro uma nova rotina em prol das necessidades especiais
que o autista apresenta.
Sabemos que o
autista tem características peculiares, ele por si só apresenta uma grande
dificuldade em adaptar-se a ambientes e situações, através de seus
comportamentos estereotipados e dificuldade de se colocar no lugar do outro,
déficits nos comportamentos de comunicação, socialização e interação.
Essas
características peculiares exigem da família uma maior flexibilidade, uma vez
que o membro autista é aquele menos capaz de flexibilizar sua rotina. Cabe
ressaltar a importância de estar atenta a cristalização de papeis, pois
pensando em relação ambas as partes precisam trocar e ceder, mesmo o autista
com suas limitações precisa adaptar-se ao mundo desconhecido, cada um com sua
contribuição conforme pode.
A troca
interacional está presente em todo o enredo do filme, no qual os dois irmãos
estão em constante adaptação ao padrão de cada um. Por outro lado, também
percebemos uma forma comum de se relacionar expressando um padrão familiar
comum aos dois.
Sintomatologicamente
os dois se encontram, ambos necessitando aprender a serem mais flexíveis e a
dar sua contribuição para o crescimento da família. O irmão mais velho, autista
carrega consequências de uma institucionalização longa e aparentemente uma
segregação social, pois pouco conviveu com sua família.
Já o mais novo,
interpretado por Tom Cruise, também esteve à margem na medida em que resolve
afastar-se de sua família em prol das dificuldades no relacionamento com o pai.
Este pai também pareceu ser uma pessoa rígida e que de certa forma não dava
passagem para seu filho, sempre o submetendo a sua forma de ver as coisas e no
final da vida acaba por criar uma situação em que ambos os irmãos teriam de se
confrontar, uma RE-LAÇÃO!
Se olharmos de
forma ampla, a rigidez está presente em todos os membros, ironicamente o
sujeito autista parece ser o mais flexível, denunciando uma estrutura familiar
para além de sua síndrome.
O filme nos
permite pensar que o diagnóstico é apenas um detalhe entre tantos outros a
serem observados, para além da cura do autismo é necessário pensarmos na
contribuição de cada membro para relações mais saudáveis e felizes, que não
necessariamente irá culminar numa cura do diagnóstico mas talvez de corações.
Nádila Walter da
Silva
Psicoterapeuta
de Família e pesquisadora do Autismo e as Relações Familiares.
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